sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Hábito de Leitura


                                          


                  Começou pelas mãos de meu pai, eterno companheiro de alma. Maravilhada, olhava para ele chegando em casa, voando porta adentro com um grande, pesado e lustroso pacote nos braços, que devido ao peso fazia-o encurvar-se com uma expressão na face de esforço excessivo, mas nos lábios e nos olhos aquela expressão tão conhecida de menino que aprontou, satisfeito da vida.
                   Acredito, copia perfeita da sua alma, que meus sentidos logo captaram a promessa de algo muito bom...
                   Entregou-me o pacote. Com sofreguidão, não teria outro termo pois sem agüentar sua ansiedade, que aquela altura também era minha, ajudava a desfazer, na verdade a destruir o embrulho.
                  Maravilhada, contemplava volumes coloridos, lindos, extremamente cativantes para mim, muitos. E contava: 1, 2, 3, 4,... A coleção completa, completa de Monteiro Lobato!
                   Meu mundo mudou e o meu hábito da leitura começou.
                   E foi de fato algo muito mágico. Comecei a ler, ler, entrar nessa fantasia imaginando, criando imagens, cenários, lugares, as pessoas. Narizinho? Ora, Narizinho era... Eu era Narizinho! Nunca mais meu mundo foi igual! Sonho puro. Naquela época, até agora, até sempre!
Pego livros como quem vislumbra novas conquistas, conhecimentos. Os pensamentos correm soltos. Percorro as páginas com os olhos e a alma.
                        Creio que o hábito de leitura moldou minha vida, em todos os segmentos. Sou Arquiteta, Interior Designer, viajada, amante das artes  -algumas até arrisco, dos livros, casada, mãe e escritora. Mas para cada uma dessas partes de mim, sou uma leitora.
                         Seguindo este legado, que não abandono senão me perco, tentei passá-lo para minha filha – meu bem maior. Desde pequenina, ainda bebê trazia-lhe livros daqueles de banho, coloridos, de plástico. Encantava-a e me encantava. E fui seguindo essa linha, etapa por etapa de sua vida. Passando, claro, pela coleção de Monteiro Lobato, da qual não me desfaço Marco da minha vida.
                          Hoje, ela tem preferência por romances ( eu também tinha na idade dela e ainda tenho ), livros de arte e de arquitetura ( outro legado? ). Escreve muito bem, é poliglota, fala seis idiomas e navega no computador com maestria. E eu, que nasci em uma época sem computadores e celulares aventuro-me nos “mistérios”dessa máquina, onde meus sites preferidos são os da minha profissão, os de arte mas principalmente os  de livros, os de clubes de livros,  os de citações, os de poesia, os de escritores e afins. Mas nada, nada se compara com a maravilha que é pegar um livro em minhas mãos, abri-lo, sentir seu cheiro, da ação puramente sensorial de virar uma página.
                            Mas pelo amor ao hábito da leitura – maior instrumento de educação não há, tento passar até pelo computador essa paixão, divulgando, comentando. A quem interessar possa...


Uma Nova Vida


Sempre assim... Acordava todos os dias, nem tão cedo, nem tão tarde. Como se fosse sair preparava-se com jeito de quem quer sentir-se bonita e interessante. Conquistadora, sedutora...


Sentou-se ao computador. Ligou essa máquina que nos últimos tempos tinha-se transformado parte de seu corpo e de sua alma, do seu universo, enfim. Não colocava nela nenhuma exigência que não fosse de obter conhecimento – tantos interesses, um mundo novo, uma aventura nunca antes experimentada.
Nasceu em uma época que não existia celular, nem computador. Agora via-se absolutamente encantada por essas máquinas que lhe davam a sensação de ultrapassar seus limites. A filha, já criada, usava-as como extensão de seu corpo e de sua mente, parecia, como sempre houvera sido.
No entanto, para ela... ah! Que sensação inovadora, maravilhosa sentia. Como se cada bocadinho dela renascesse, abrisse como uma flor ou como que um beijaflor sugasse um mel divino. Invadida sentia-se plena de ansiedade, uma ansiedade pueril até, mas renovadora. Percebia-se quase uma nula completa, cabeça ainda de conhecimentos parcos.
Um mundo novo se abria cada vez que ligava esse objeto  que pulsava como se vida houvesse por dentro.  E havia... ah, se havia! Como podia uma máquina, simplesmente uma máquina levá-la com tanta sensibilidade a uma quantidade de assuntos, de conhecimentos de maneira tão insaciável? Como podia se a levava direto para onde ela se sentia viva?
Era, de certa forma, aquilo que sempre buscara: o incessante estado de busca, de conhecer. Em toda a sua vida sofria um vazio em sua alma que a fazia sentir-se incompleta. Um ser com a mente irrequieta, sôfrega por algo que não sabia bem o que faltava. E sentia-se vã, aflita, suspensa no tempo – para que servia a vida, tal opressão. Sentia sua voz suspensa no ar, sem existência, sem eco, sem retorno... como se não a enxergassem ou escutassem.
Agora os horizontes se abriam... um vislumbre de esperança. De respostas, de que ainda tem saída, de reação, de realização, de expressão. É isso, alem de abrir novos conhecimentos, novas técnicas, novas tecnologias, novas parcerias de trabalho, ela estará indo de encontro ao seu próprio ser ao conectar-se com outros eus e vocês e eles...
A grande alegria de poder falar, gritar, apoiar ou não, agradecer, elogiar, enfim expressar-se. A quem quer que seja, a quem me traz alegria... o que me agrada. Como é bom saber que se tem voz, ainda que escrita e silenciosa. Quanto bem faz deixar de lado as vergonhas que nos impõem, os pudores, as travas que o mundo nos obriga a fingir.
E sinto que há uma troca lá do outro lado. Todos somos sedentos de se expor. Estou aqui! Estou com você, não estou sozinha! Sinto o mesmo, tenho as mesmas duvidas e medos.... a mesma sede, a mesma fome! Estamos na mesma fonte!
Sempre assim! Acordava mais um dia. Nem tão cedo, nem tão tarde! Como se fosse sair, preparava-se com jeito de quem quer sentir-se bonita e interessante. Conquistadora, sedutora, perspicaz, cheia de ideias, pensamentos, planos, projetos, afinidades, posturas, atitudes.
                                                                          Lia Henriques
                                                                                                  Agosto 2009